Decreto Legislativo Regional N.º 16/2008/A de 12 de Junho

Rede de Cuidados Continuados Integrados da Região Autónoma dos Açores

Nos Açores, à semelhança do que sucede no todo nacional, a diminuição da natalidade, aliada ao progressivo envelhecimento da população, consequência do prolongamento da esperança de vida, colocam novos desafios no âmbito da saúde e apoio social às populações, conduzindo inevitavelmente à necessidade de novas respostas integradas, que combinem os sectores da saúde e segurança social.

Por outro lado, observa-se também um incremento, principalmente ao nível da população idosa, de patologias crónicas múltiplas ou de dependência funcional, que requerem soluções adequadas e eficazes na prestação e continuidade dos cuidados de saúde e segurança social e que permitam a manutenção e recuperação das funcionalidades, com o objectivo último de recuperação global e auto-suficiência dos utentes.

Pretende-se desta forma garantir a coordenação das áreas de saúde e acção social, potenciadoras de soluções enquadradas nas respectivas prestações típicas e adequadas às necessidades das pessoas idosas, das pessoas com perda de funcionalidade e dos doentes terminais.

A experiência colhida na Região, com o funcionamento dos três centros de cuidados continuados já existentes, a operar no âmbito das Santas Casas da Misericórdia, permitiu não só constatar a procura crescente deste tipo de cuidados, como também demonstrar a virtualidade e os ganhos resultantes da implementação de uma rede regional de cuidados continuados, assente num modelo integrado de prestação de cuidados de saúde e apoio social.

Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República e da alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores decreta o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objecto

É criada a rede de cuidados continuados integrados da Região Autónoma dos Açores, adiante designada por rede, a qual constitui parte integrante do sistema regional de saúde e do sistema de protecção social.

Artigo 2.º

Estrutura da rede

A rede constitui-se como um conjunto integrado de intervenções nas áreas da saúde e segurança social, promovendo a autonomia dos utentes através da prestação integrada de cuidados de saúde e apoio social, mediante um conjunto de respostas que, articulando diferentes linhas e modalidades de intervenção, contribuem para a melhoria do acesso das pessoas com perda de funcionalidade a cuidados técnica e humanamente adequados.

Artigo 3.º

Definições

Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

  1. «Cuidados continuados integrados» o conjunto de intervenções de saúde e ou de apoio social sequenciais e coordenadas, baseadas numa avaliação conjunta, centrada na recuperação global do utente, com a finalidade de promover a autonomia, melhorando a funcionalidade da pessoa em situação de dependência através da sua reabilitação, readaptação e reinserção familiar e social;

  2. «Cuidados paliativos» os cuidados activos, coordenados e globais, prestados por unidades e equipas específicas, em internamento ou no domicílio, a doentes em situação de sofrimento decorrente de doença severa e ou incurável em fase avançada e rapidamente progressiva, com o principal objectivo de promover o seu bem-estar e qualidade de vida;

  3. «Acções paliativas» as medidas terapêuticas, sem intuito curativo, que visam minorar, em internamento ou no domicílio, as repercussões negativas da doença sobre o bem estar global do doente, nomeadamente em situação de doença irreversível ou crónica progressiva;

  4. «Continuidade dos cuidados» a sucessão no tempo e no contexto da rede das intervenções integradas do âmbito da saúde e de apoio social;

  5. «Integração de cuidados» a conjugação das intervenções de saúde e de apoio social, assente numa avaliação e planeamento de intervenção conjuntos;

  6. «Mobilidade na rede» a transição do utente entre os vários níveis de cuidados continuados que compõem a rede;

  7. «Multidisciplinaridade» a complementaridade de actuação entre diferentes especialidades profissionais;

  8. «Interdisciplinaridade» a definição e assunção de objectivos comuns, orientadores das actuações entre os profissionais da equipa de prestação de cuidados;

  9. «Dependência» a situação em que se encontra a pessoa que, por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, aliada ou não à falta ou escassez de apoio, designadamente familiar ou de outra natureza, não consegue por si só realizar as actividades da vida diária;

  10. «Funcionalidade» a capacidade que uma pessoa possui, em cada momento, para realizar tarefas de subsistência para se relacionar com o meio envolvente e para interagir socialmente;

  11. «Doença crónica» a patologia de curso prolongado, com evolução gradual dos sintomas e com aspectos multidimensionais, potencialmente incapacitante, que afecta, de forma prolongada, as funções psicológica, fisiológica ou anatómica, com limitações acentuadas nas possibilidades de resposta a tratamento curativo, mas com potencial de correcção ou compensação que se repercute de forma acentuadamente negativa no contexto social da pessoa por ela afectada;

  12. «Processo individual de cuidados continuados» o conjunto de informação respeitante à pessoa em situação de dependência que recebe cuidados continuados integrados;

  13. «Plano individual de intervenção» o conjunto de etapas e objectivos a atingir face às necessidades identificadas e das intervenções daí decorrentes, visando a recuperação global ou a manutenção, tanto nos aspectos clínicos como sociais;

  14. «Domicílio» a residência particular, o estabelecimento ou instituição onde habitualmente reside a pessoa em situação de dependência;

  15. «Utentes» são os cidadãos de qualquer grupo etário com domicílio na Região Autónoma dos Açores que se encontrem em situação de perda de funcionalidade ou em situação de dependência, afectados na estrutura anatómica ou nas funções psicológica ou fisiológica, com limitação acentuada e que necessitam de cuidados interdisciplinares de saúde e apoio social;

  16. «Consentimento informado» o direito do paciente, assente na protecção da autodeterminação e defesa da integridade física e moral da pessoa humana, a ser informado sobre determinado tratamento para de forma livre e esclarecida consentir ou recusar o mesmo;

  17. «Equipas prestadoras» a prestação de cuidados continuados integrados é assegurada pelas equipas prestadoras constituídas por profissionais oriundos dos serviços e instituições que integram a rede.

    Artigo 4.º

    Objectivos da rede

    Constituem objectivos da rede, designadamente:

  18. Prestar cuidados continuados integrados a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência;

  19. Tratar, de forma integral e global, as pessoas em risco, em situação de dependência ou terminal, privilegiando a manutenção das mesmas junto do respectivo núcleo familiar, sempre que não necessitem de cuidados de saúde diferenciados;

  20. Recuperar as incapacidades geradas pela evolução de doenças crónicas ou acidentes, através da reabilitação e prestação de cuidados, preferencialmente na residência particular, com respeito pela plena participação do próprio e da respectiva família, bem como a privacidade individual e familiar, as capacidades individuais remanescentes, as competências familiares e ainda os seus interesses e aspirações;

  21. Prevenir a dependência da pessoa em risco de perda de autonomia, através de um plano individual de intervenção orientado para a reabilitação global;

  22. Promover a integração da pessoa com perda de autonomia na comunidade, de acordo com as suas capacidades, de modo a prevenir o seu isolamento e a marginalização social;

  23. Contribuir para o bem-estar físico e psíquico e dignidade de todos os utentes da rede;

  24. Apoiar os familiares ou prestadores informais na respectiva qualificação e na prestação dos cuidados;

  25. Assegurar a articulação e coordenação em rede dos cuidados, mormente através de adopção de modelos de gestão que favoreçam a optimização dos recursos existentes em cada área ou nível de intervenção;

  26. Criar e implementar sistemas de informação que permitam a quantificação de ganhos em saúde e apoio social decorrentes da criação da rede;

  27. Promover a progressiva cobertura de serviços e equipamentos a nível regional e colmatar as necessidades das pessoas em situação de dependência em matéria de cuidados continuados integrados e cuidados paliativos;

  28. Estabelecer um sistema de qualidade entendido como o conjunto de instrumentos e de procedimentos de acompanhamento e de avaliação da qualidade dos serviços prestados aos utentes pelos diferentes intervenientes e em função dos objectivos definidos.

    CAPÍTULO II

    Princípios e direitos

    Artigo 5.º

    Princípios

    A rede baseia-se no respeito pelos seguintes princípios:

  29. A co-responsabilização da família na prestação de cuidados enquanto suporte e meio preferencial do utente;

  30. A defesa da dignidade, humanidade, integridade física e moral, identidade e privacidade do utente;

  31. A continuidade dos cuidados entre as diversas unidades que compõem a rede;

  32. A prossecução da recuperação global;

  33. A multidisciplinaridade e interdisciplinaridade na prestação dos cuidados prestados;

  34. A proximidade dos cuidados, como forma privilegiada de manter o utente, sempre que possível, no seu ambiente familiar e comunitário;

  35. A prestação de cuidados integrados de saúde e apoio social com eficiência e qualidade;

  36. A definição de planos individuais de intervenção que estabeleçam objectivos comuns orientadores dos cuidados a prestar ao utente;

  37. A participação do utente e da respectiva família e ou do representante legal na elaboração do respectivo plano individual de intervenção.

    Artigo 6.º

    Direitos

    A rede assenta na garantia à pessoa...

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